Na
noite passada quando cheguei a casa, após ter terminado o expediente na
redacção, ouvi a Paula aos prantos!
Podes
imaginar o quão surpresa fiquei a princípio, perguntando-me se não estaria a
ter alucinações, ou se talvez, ela estivesse a tentar pregar-me alguma partida.
O que não seria de espantar, pois bem sabes, que ideias loucas, ela tem de
sobra.
Mas
após me ter aproximado da sala de estar, onde ela se encontrava sentada no
sofá, de pernas flectidas e as mãos agarradas aos joelhos apercebi-me que era a
sério, o que me levou a perguntar imediatamente o que se passava e a oferecer a
minha solidariedade.
Nunca
a tinha visto naquele estado, a chorar como uma criança que se se perdeu.
“Faz-me lembrar de mim mesma, há algum tempo atrás, quando perdi o meu amor e
nunca mais me encontrei”. Pensei dentro mim.
Enquanto
Paula se preparava para me contar o motivo da sua angústia.
E
começou desculpando-se dizendo que não me queria assustar. Porém não aguentava
mais segurar as lágrimas e quando deu por si já não conseguia parar, nem
levantar-se do sofá, como se aquele pequeno canto da sala fosse o lugar mais
seguro do planeta.
Notei
aflição em sua voz, como que se estivesse desesperada por me fazer entender o quanto
estava transtornada. E nesse instante peguei as suas mãos trémulas e agarrei-as
com firmeza, lembrando-a de que podia contar comigo.
Passadas
duas horas, já não me lembrava daquela mulher activa e despreocupada que
conheci a 8 meses trás no Jornal e que ao fim de 5 semanas de convívio
ofereceu-me o seu teto e a sua amizade sem qualquer exitação.
Durante
todo o seu discurso, fiquei calada, ouvi-a do princípio ao fim sem conseguir
balbuciar uma única palavra, alternando momentos de petrificação e revolta com
instantes de consternação e clemência.
“ Destruí a minha vida por um falso amor e por causa deste perdi outro muito
maior!
Tudo aconteceu quando descobri que estava grávida do Igor, a dor, o vazio,
o desespero, a sucessão de erros imperdoáveis, o fim!
Eu tinha 26 anos quando o conheci, numa reportagem que fui fazer ao
tribunal provincial de Luanda, ele era um dos procuradores adjuntos de um caso
polêmico sobre um político, que estava a baila naquela altura, sobre o qual não
vale a pena falar agora.
Não foi amor a primeira vista, mas após alguns encontros casuais e outros
combinados, já não podia imaginar a minha vida sem ele. Ele era um senhor conseituado
de 42 anos e eu uma simples rapariga do interior do país que havia chegado a
cidade há poucos meses atrás e que ainda se sentia pedida e confusa, tentando
integrar-se sem muito sucesso nos grupos de trabalho já montados no jornal.
Não tinha mais ninguém, estava completamente sozinha quando o conheci, toda
a minha família havia ficado em Cabinda, os meus pais e os meus dois irmãos
mais velhos fizeram tudo o que puderam para me mandarem a Luanda, depositaram
todas as suas esperanças em mim e nos meus sonhos. E eu os decepcionei!
Amei o Miguel Augusto com todas as minhas forças e agarrei-me a ele como se
fosse a única coisa que me permitisse respirar. Era o meu porto seguro, nada
nem ninguém me fazia mais feliz.
Depois que começamos a andar, mudei completamente, o meu visual, a minha
atitude, o meu olhar, sentia-me cada vez mais confiante e isso ajudou-me muito
no jornal, rapidamente tornei-me efectiva e fui promovida.
Ele dava-me vida! Fazia tudo com paixão se pensasse nele. Quando me
sentisse cansada ele dizia-me tudo o que precisava ouvir para continuar. Pese
embora não fosse tão encantador ou atraente, era meu, dava-me essa certeza!
Quando fiz 27 anos ofereceu-me este apartamento e achei que fosse um indício
de que queria casar comigo, mas logo percebi que queria apenas privacidade. Um
lugar para estar comigo sempre que lhe apetecesse e sem ter que se explicar a
ninguém.
Devia ter desconfiado a partir daquele momento, eu sei, tal como quando que
começou a passar menos noites do meu lado e a rejeitar-se a sair para jantar ou
a receber telefonemas a hora do almoço. Mas ele era tão bom com as palavras e
eu estava tão enfeitiçada que por mais que tudo aquilo parecesse estranho limitava-me
a entender e a amá-lo cada vez mais.
Até que um dia, depois de ter passado horas a pensar no que iria fazer,
chamei-o para conversar e contei que estava grávida!
Ele manteve a calma e disse que ia tudo ficar bem! Iludi-me ao pensar que
finalmente celaríamos o nosso compromisso e formaríamos uma família…
Mas ele continuou, dizendo que não podíamos ter um filho, nem naquela
altura, nem nunca e que eu já devia ter calculado que um homem na idade dele e
com o estatuto que tinha não podia ser solteiro ou amar uma rapariga como eu.
Havia um certo teor de verdade e frieza em suas palavras o que fez com que
me sentisse um nada de mulher! Como é que pude ser tão estúpida e ingénua?
Depois de o ter ouvido dizer uma sucessão de disparates acompanhados de
crueldade e covardia, pedi-o que saísse e que nunca mais me procurasse. E ele
cumpriu, sem nunca ter olhado para trás!
Após aquele episódio os meus dias foram um verdadeiro inferno e nunca mais
voltei a ser aquela rapariga! Odiei o meu próprio filho, durante os nove meses
que o carreguei no ventre, não fui a nenhuma consulta, não escolhi um nome, nem
comprei roupinhas de bebé, tão pouco quis saber o sexo e confesso que tentei
desfazer-me dele numa clínica de abortos mas por algum motivo não fui capaz,
nunca quis ter essa lembrança mas quem me dera que o tivesse feito…
Saía de casa apenas para ir ao Jornal e escondi a barriga até quando pude,
depois solicitei a licença de maternidade e mais ninguém soube de mim.
Achavam que tinha ido a Cabinda buscar apoio dos meus pais mas também nunca
tentaram saber como eu estava, afinal de contas não tinha feito verdadeiros
amigos naquele lugar que era apenas o meu local de trabalho.
Entretanto ao contrário do que eles pensavam, os meus pobres pais não
sabiam de nada, não consegui dizer a verdade a ninguém, até que um dos meus
irmãos, preocupado com a minha ausência veio visitar-me sem avisar e descobriu
o que se passava.
Simplesmente não consegui, não encontrei as palavras certas para contar a
eles que havia destruído tudo o que tinham idealizado para mim e que estava
grávida de um homem casado que não queria saber de mim nem do meu filho ou que
corria o risco de perder o meu cargo no Jornal. Expliquei-me. Implorando o seu
silêncio.
Guardou segredo durante algum tempo, pois, também não sabia como informar
os senhores nossos pais protectores e excessivamente conservadores a verdade.
Contudo, foi obrigado a fazé-lo. Quando decorridos 3 meses do nascimento do
seu afilhado ao qual atribuiu o nome de Igor, veio visitar-nos e soube o quanto
estava desequilibrada, notavelmente doente, deprimida, rodeada de bebida por
todos os lados, magra e pálida como uma nuvem.
A casa estava uma desgraça, empoeirada, com visíveis teias de aranhas nos
cantos das paredes e com um cheiro a abafado que tresandava, como se não
tivesse sido aberta a meses.
O bebé estava tão desidratado e desnutrido que o meu irmão Massochi
apressou-se em levar-nos ao hospital e depois de ter ouvido o triste
diagnóstico informou-me que iria contar tudo a nossa família de uma vez por todas.
Ligou para os meus pais e convocou uma reunião, fazendo com que todos se
deslocassem até Luanda no dia segunte.
Ainda me lembro do rosto abatido do meu pai e da expressão carregada de
ódio da minha mãe quando souberam que eu estava infectava pelo vírus da Sida,
uma doença incurável e repugnante que por causa da minha negligência foi
transmitida ao meu filho.
Passados alguns dias decidiram que me iriam tirar a criança e levar a
Cabinda alegando que eu não tinha quaisquer condições para criá-lo.
Senti raiva e nojo de mim, todos os dias, desde o instante em que ouvi
aquelas malditas palaras do médico até este preciso momento e assim me sentirei
enquanto existir!
Só descobri que o amava depois de o terem arrancado dos meus braços. Tentei
lutar por ele e exigi que mo devolvessem. Mas não tinha forças suficientes e
perdi! Depois de alguns ataques de nervos e discussões acesas com a minha
família, não houve outra solução para os meus pais senão intentarem uma acção
de inibição de autoridade paternal contra mim no Tribunal de família e tendo em
conta o estado em que me encontrava não lhes foi difícil vencer.
Já se passaram 5 anos e nunca mais o tive em meus braços desde aquela data.
O meu irmão continua a ajudar-me mandando-me fotografias e ligando sempre
que pode para me contar novidades sobre o meu menino. Hoje soube que ele ganhou
um troféu num concurso de soletrar no Jardim-de-infância. Fiquei muito
orgulhosa mas depois seguiu-se o latejar de uma dor que saiu do meu peito e se
propagou pelo corpo todo e não consegui parar de chorar! Quer dizer, que tipo
de mãe sou eu? “
Ainda
estou atormentada com tudo o que ouvi, agora consigo perceber tudo muito melhor.
Como por exemplo o porquê que a Paula me acolheu quando entrei para o Jornal.
Pois, tal como ela eu era uma rapariga provinciana praticamente sozinha na
cidade e que provavelmente passaria pelas mesmas vicissitudes que ela naquela
altura. E o porquê dos seus sumissos e telefonemas tardios.
Coitada!
Nem
posso imaginar o peso da culpa que suporta nos ombros e o tamanho da dor que
carrega no peito. Meu Deus! E eu que pensei que dor foi o que senti quando te
perdi!
A
minha mãe tem razão! Quando pensamos que sofremos, existe sempre alguém que
esteja a passar por pior!
Nossa!!!!!!!! desde q te conheci ou desde q comecei a seguir esse caminho dos pensamentos da tua alma so me transmitiste alegria... mas hoje pela primeira vez me deixaste abalado e triste. dentro de mim surgiram perguntas q talvez so a sua proxima carta pode responder...
ResponderEliminarvc e o alimento da minha alma, uma forca interna q me faz crescer e me amadurece...
bjo!
Wau muito obrigada!Nem sei o que dizer, estou muito emocionada e grata!
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